A usina criativa de Franz Weissmann
Frederico Morais


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A imagem que quero guardar de Franz Weissmann, hoje com 80 anos, é a de um homem quieto, que vive calado no seu canto, como se estivesse sempre a ruminar pensamentos e obras. Eu o conheci ainda em Belo Horizonte, nos anos 50, e desde então não mudou sua maneira de ser. Silencioso, mesmo quando se dispõe a ir a um vernissage ou a uma reunião de amigos. De vez em quando, nessas ocasiões, se provocado, murmura algum comentário sobre arte, para logo em seguida se fechar em seu mutismo. Mas não é arrogante nem antipático nesse seu jeito de ser. Ao contrário. Crítico severo de seu trabalho, disse-me certa vez: "É preciso beber o fel até a última gota", como que a indicar que a arte é mais sofrimento do que prazer.


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Ver o artista em seu ateliê, trabalhando, é ver a obra germinando, nascendo entre indecisões e dúvidas, entre avanços e recuos, entre o pânico de ser e a entrega. Mas este momento, a epifania da obra, seu desabrochar definitivo, quase sempre escapa ao crítico ou historiador de arte. Preocupados com a inserção da obra de arte no meio social e no circuito cultural, dão pouca importância à fenomenologia do ato criador. Isto é, não valorizam tudo aquilo que ocorre no ateliê durante o processo criador: movimentos, silêncios, pausas, arfares, o modo como o artista se posiciona diante da tela, do papel, da prancheta, a gestualidade específica de cada ofício ou técnica. O local onde o artista instala seu ateliê, a iluminação, os ruídos, o modo como organiza seu espaço e o tempo, como distribui seus materiais e instrumentos de trabalho, tudo isso repercute, às vezes decisivamente, no resultado final da obra. Afinal, uma obra de arte não é um desenho técnico, uma fria equação matemática, um teorema, puro conceito. Ela nunca é prioritariamente um produto acabado, pronto para ser embalado e vendido. Uma obra de arte é, antes de tudo, emoção e mistério: é uma espera, um processo que não se esgota nunca, um fluxo. É arte e é vida.

Ter visitado o ateliê de Weissmann, em Ramos, Zona Norte do Rio de janeiro, apenas alguns meses depois que aqui cheguei, por volta de 1966, foi para mim uma experiência crucial. Artista que sempre lidou com materiais e tecnologias industriais - ferro, aço, madeira, alumínio, guindastes etc. -, foi com naturalidade que Weissmann instalou seu ateliê no interior da fábrica de carrocerias de ônibus Ciferal. Apesar do barulho infernal, sentia-se bem circulando entre máquinas e detritos industriais, vendo beleza e poesia onde outros costumam ver apenas utilidade e lucro. Aliás, é preciso fazer o elogio dessa empresa, pois o apoio que o artista teve da parte de seus dirigentes foi fundamental ao desenvolvimento de sua obra. De fato, durante várias décadas, pôde usar material, equipamento e mão-de-obra operária para realizar ali a maioria de suas peças mais importantes, várias delas premiadas.

Nem sempre, porém, as coisas lhe foram favoráveis. Várias esculturas de sua fase inicial, figurativa, e outras abstratas e concretas foram totalmente destruídas no final dos anos 50, a mando de um delegado de polícia, que queria transformar seu ateliê-sala de aula no porão da Escola Guignard, na capital mineira, em depósito de presos. Um síndico desavisado e insensível jogou suas esculturas num galinheiro. Outras peças se deterioram, guardadas em caixotes, após terem sido expostas na Europa, devido à incúria da burocracia governamental. Desta sina não escapou sequer seu Monumento à liberdade de expressão do pensamento, implantado na Quinta da Boa Vista, e mandado derrubar, oito anos depois, pela antiga SURSAN, à época do governo Carlos Lacerda.

Desde aquela primeira visita ao ateliê de Weissmann, há vinte e oito anos, cobro do artista uma exposição ampla de sua obra, mas que não se limite a mostrar as obras acabadas, hoje integrando coleções públicas e privadas ou enriquecendo praças e jardins do Brasil. Uma exposição que inclua também seus projetos, esboços, estudos, protótipos, tudo aquilo que, sendo ainda idéias, iluminações, intuições, aquelas "pequenas sensações" de que falava Cézanne e que nele são vivências espaciais, de forma e movimento, revele seus mecanismos de criação escultórica, a organicidade das idéias que nascem, renascem e se renovam até chegar à obra definitiva.

Há já algum tempo, Weissmann transferiu seu ateliê do interior da indústria de carrocerias para um galpão contíguo. Contudo, o impacto de quem o visita não é menor. Mais organizado e limpo, continua sendo o que sempre foi: uma verdadeira usina de criação, o mais extraordinário acervo ou arquivo de formas escultóricas do país, referência para quase tudo o que se fez e ainda se fará nas próximas décadas em matéria de arte construtiva. Em relação à própria trajetória do artista, está tudo ali: obras figurativas que remetem ao seu aprendizado com Zamoiscky, nos anos 40, que falam de sua participação no Grupo Frente (1954) e nos movimentos concreto (1956) e neoconcreto (1959), colunas, cubos, torres, estruturas gestálticas e modulares, múltiplos, obras permutáveis, canaletas, cantoneiras, monumentos e fitas realizados nos mais diversos materiais - arame, alumínio, ferro, aço, madeira, - e em diferentes escalas e versões, além de desenhos, pinturas e chapas de zinco de sua fase espanhola (Madri e Irun), relevos e colagens com materiais heteróclitos, formando um caudal inesgotável de idéias e propostas sem igual no Brasil.

Por isso tenho defendido, desde muito tempo, a exposição desse ateliê-usina de criação, tal como está organizado, num dos museus ou instituições culturais da cidade. E, feito isto, preserva-lo, através do tombamento pelo governo brasileiro, abrindo-o em seguida à visitação pública e, principalmente, aos estudantes de arte e a jovens artistas, que encontrarão ali um laboratório permanente de criação escultórica. Da mesma forma, algum empresário mais lúcido poderia patrocinar a edição de séries de múltiplos, transformando em protótipos alguns dos projetos que se encontram guardados em estantes, armários, caixotes, fixados nas paredes, no teto etc.


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Weissmann não desenha nem faz esboços gráficos para realizar suas esculturas. Começa com pequenos modelos de papelão. Faz ensaios sucessivos: corta, dobra, separa, junta, repete, torce, experimenta diversas escalas, às vezes troca, numa segunda etapa, o papelão por outro material, mais rígido, abandona o projeto, insatisfeito, inicia outro, mais outro, retoma o antigo até encontrar a forma ideal quando, então, prepara o desenho técnico, para execução, já considerando o material definitivo a ser empregado e a adequação da peça ao contexto arquitetônico ou urbano, quando se trata de obra pública. Como lembrava Gullar, em 1962, "suas idéias nascem diretamente do trabalho: a teoria não encontra campo para se formular". Ou seja, ele não parte de um conceito abstrato para alcançar a forma. No seu processo criador, mais que o olho é a mão que sente o espaço, a relação de cheios e vazios, de tensão e repouso. Olhar-tátil. A geometria é apenas uma ferramenta que o artista usa para se expressar, mas não se deixa dominar por ela. Nessa fase inicial, em que a mão apalpa, tateia e quase diria, como Focillon, olfateia espaços que estão prestes a nascer, a cor não entra. Ele apenas deixa fluir, entre os dedos, como se fossem sensações fugidias, um espaço novo, um movimento que procura deter.

E assim como não existe um desenho prévio, sua obra não é mera ilustração de uma teoria. É certo que o artista nunca parte do nada. Cada gesto já nasce impregnado de vida, de experiências acumuladas, está imerso na história da arte. Como demonstrou Pierre Francastel, "o nascimento ou o declínio de um determinado espaço plástico está ligado ao nascimento e ao declínio de um determinado estado de civilização". Um estilo de arte, portanto, é um fato estético e social, seja a minimal art ou o barroco.

Artista construtivo, o processo criador de Weissmann, lento e demorado, meticuloso, consiste em buscar o essencial de cada forma, o "mais no menos", mas sem nunca chegar à aridez ou à esterilidade inventiva. Sua escultura não é narrativa ou descritiva de fatos passados: alimenta-se do presente. Mas, para Weissmann, viver o presente não significa imiscuir-se nas circunstâncias do cotidiano, é captar o que há de permanente e estável em cada momento ou situação. Suas esculturas revelam uma grande leveza e frescura interiores, sem deixarem de ser sólidas e estáveis. São, ao mesmo tempo, muito simples e muito complexas. E mesmo sendo, como criador, um intuitivo, sua obra revela um comportamento sistêmico, havendo uma lógica interna que une trabalhos de diferentes épocas e fases - e é justamente essa lógica que vai caracterizar sua produção escultórica como uma forma de pensamento - pensamento não-verbal.


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Em sua fase concreta/neoconcreta, Weissmann atuou no sentido de anular a presença do material, de torná-lo secundário ou acessório. Para ele, então, o verdadeiro material não era o alumínio, o ferro ou a madeira, mas o vazio.

Este vazio não era (não é), entretanto, ausência de massa. Não é um buraco, o oco da forma. Weissmann não esculpe dentro da tradição, isto é, não desbasta nem agrega, ele cria espaços, lida com estruturas. Assim, o vazio neoconcreto é, na verdade, uma presença, é um espaço que se cria, novo, surpreendente. É um silêncio que subitamente grita e se faz ouvir. Na escultura figurativa, por seu conteúdo narrativo, é mais difícil encontrar o vazio como tendo uma expressão própria. Foi a partir da arte concreta que ganhou autonomia, como se pode ver em Cubo vazado (1950/1951), que é a primeira obra rigorosamente concreta criada no Brasil. Nessa obra o vazio existe. E significa. E esta descoberta, que se renova no espectador, provoca uma grande euforia. O caráter inovador da obra era tão perturbador que desorientou o júri da 11 Bienal de São Paulo, que acabou por recusá-la. Quatro anos depois, entretanto, receberia, na mesma bienal, o prêmio de melhor escultor nacional.

O Cubo vazado (que na verdade deveria ser chamado de "cubo virtual") é, de fato, uma obra inusitada pelo contraste que o artista criou entre aquilo que, nela, é real, tem matéria, peso, contorno, que tem tactilidade, enfim, e aquilo que é imaterial, impalpável, que é virtualidade pura. Esta obra ajuda a esclarecer, definitivamente, a diferença entre o simplesmente vazado (transpor a massa, ato mecânico) e o vazio. Este é algo mais sutil: o espaço nasce, emerge, desabrocha, manifesta-se virtualmente, mas, quando o percebemos, impõe-se de tal maneira que não conseguimos mais esquecê-lo. Estrutura linear, de 1954, pode ser vista como a versão linear do Cubo vazado, sendo constituída de dois cubos virtuais, que se interpenetram sem perder sua individualidade. Num dos cubos, a linha está pintada de preto; no outro, de branco. É fácil para qualquer um fazer a transposição visual entre as duas peças.

Durante muito tempo o vazio foi a matéria prima da escultura de Weissmann, vale dizer, o real de sua escultura é o virtual, espaço imaterial, que se renova continuamente, a cada deslocamento do espectador - ou do fotógrafo. E vão surgindo, assim, nas suas colunas e em obras como Três pontos, círculos, semicírculos, ovais, hexágonos e losangos que se expandem ou se contraem, num contínuo vir-a-ser ou desenhar de formas.


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Dentro, o vazio. Do lado de fora, a sombra. Virtualidades. A maioria das esculturas de Weissmann prescinde de base ou pedestal. Isso quer dizer que se comunicam diretamente com o espaço, ou melhor, são parte do espaço. São implantadas diretamente no chão, equilibrando-se às vezes num único ponto de apoio, numa única aresta, e assim permanecem como que soltas no espaço, como se quisessem alçar vôo ou pender para um dos seus lados, precariamente. A parte da chapa que se recorta, o plano que se desloca, o corte que divide sem separar, as formas em confronto ou diálogo e os vazios geram um outro tipo de virtualidade: sombras. Que são parte do significado da escultura. Ou melhor, são uma outra e a mesma escultura. Desenhos no espaço: sombras na parede.


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Contemplado com o Prêmio de Viagem ao Exterior no Salão Nacional de Arte Moderna, em 1958, viajou no ano seguinte para a Europa. Mas antes de se fixar na Espanha esteve no Japão e na índia. Sua estada nesse último país teve enorme impacto no artista, deixando-o deprimido por muito tempo. Instintivamente, começou a cobrir folhas e folhas de papel com uma linha infindável, que se enroscava, formando labirintos. A seguir passou a amassar chapas de zinco com a ajuda de martelos, porretes, soquetes e até da própria mão, vestida com luva de boxe ou mesmo nua. Foi um sofrido e áspero diálogo com a matéria. Essa fase, ainda pouco conhecida do grande público, precisa urgentemente ser resgatada pela crítica, pois ela ajuda também a compreender melhor a personalidade de Weissmann. É um momento de grande depressão do artista, eu diria mesmo doloroso, mas que, ironicamente, proporcionou obras magníficas.

Weissmann permaneceu quase seis anos fora do Brasil. Saíra daqui concreto, um rigoroso criador de estruturas geométricas, de sentido classicizante, e retornara gótico-expressionista. O poeta João Cabral de Melo Neto, comentando essas obras européias, expostas em Madri, disse que eram "uma explosão no edifício de uma escultura cuja função fora sempre fazer da pedra cristal, no método de um escultor cujo gosto foi sempre o perfil claro e solar". Mário Pedrosa, vendo essas mesmas obras na exposição que o artista realizou na Petite Galerie, em 1965, logo após seu retorno ao Brasil, observou que "se os desenhos lhe são um diálogo entre a linha e a luz, as placas em relevo são um diálogo entre o traço e o golpe - a luz".

De minha parte, aproveitei-me dessas obras para formular uma interpretação da arte brasileira quando posta em confronto com a arte européia. No Brasil, onde tudo está por fazer, por trabalhar
e construir, parecia natural que Weissmann assumisse, plenamente, sua vocação construtiva, criando obras marcadas pelo equilíbrio e a contenção. Numa Europa saturada culturalmente, onde tudo lhe parecia concluído, acabado, natural que sua arte expressasse pessimismo, que buscasse uma aproximação daquele "nada total" de que falava Mathieu em seu manifesto tachista. Era preciso destrabalhar, desconstruir, desmanchar, para só então dar início à reconstrução do universo.

No entanto, esses desenhos e placas, vistos mais atentamente, sugerem um outro tipo de organização: seriam uma tentativa mais -sutil de apreensão da luz e, através dela, de estruturação de espaços. Como se, ao enroscar a linha de modo incessante, ou ferir estoicamente a chapa e a si próprio, estivesse buscando, dentro do caos, uma outra ordem, uma outra estrutura. Como se no ponto mais fundo do poço em que mergulhara houvesse um espaço de luz clara, aquele céu de Canaletto ou Tiepolo do qual falou Pedrosa a propósito de suas chapas: "martelou-as como um ser sensível. Sob seus golpes, o zinco vira céu". Nesse sentido, esses trabalhos europeus estariam mais próximos da espiritualidade de um Tobey, com suas "escrituras brancas", dos drippings de Pollock, da espacialidade de Fontana, da cosmicidade dos "mais e menos" de Mondrian e bem longe da superficialidade decorativa do tachismo. Pouco a pouco, Weissmann reencontra sua ambiência brasileira e sua escultura novamente busca a via construtiva. O silêncio substitui o grito, a alegria supera a raiva, o quadrado ressurge. A ordem está refeita.


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Artista construtivo, Weissmann encontrou no quadrado o arquétipo da beleza pura - o ângulo reto como bússola a guiar sua criação. Arrancou da matéria bruta o cubo virtual: o vazio, que é silêncio. Fez dele uma realidade. O auge dessa busca de uma beleza pura, tendo como base o quadrado, é a escultura~ instalação que apresentou na mostra "Objeto e participação", que organizei para o Palácio das Artes, em Belo Horizonte, 1970, denominada Labirinto. Uma outra versão desse labirinto e mais três peças igualmente realizadas com perfis de alumínio, todas dentro do mesmo espírito purista, constituíram o que Weissmann enviou à Bienal de Veneza, em 1972. Elas são o ápice de seu conceito de escultura como um desenho no espaço, mas consagraram, também, um outro conceito do artista: a escultura habitável. De fato, Weissmann emprega o mais puro desenho geométrico para erguer, nos giardini de Veneza, uma escultura-arquitetura que é puro espaço, templo da ordem e do silêncio, a casa ideal do artista, que é ao mesmo tempo a mais perfeita homenagem ao quadrado, a mais límpida neoplástica (jogo sutilíssimo de simetrias e assimetrias), branco sobre branco malevitchiano, o vazio dentro do vazio (inundando nossos corações de alegria). Essas esculturas-arquiteturas abrigam todas as idealizações de uma ordem perfeita, transparente, luminosa, solar: o Partenon grego, a arquitetura modular dos japoneses, o urbanismo renascentista, o classicismo arquitetõnico do século XX, qualquer uma das cidades invisíveis de Italo Calvino, uma cantata de Bach, a Bauhaus, Gropius, Mies Van der Rohe, Albers, Mondrian, Le Corbusier, Malevitch, Goeritz, Villamizar, Sol Lewitt etc.


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Mas em 1971, na Bienal de Escultura ao Ar Livre de Antuérpia, na Bélgica, Weissmann já antecipara a "destruição" desse templo da ordem e da perfeição, que seria revisto no ano seguinte, em Veneza, distribuindo, sobre o extenso gramado em que se desdobra a mostra, módulos de madeira pintados, recobertos por fiberglass. Alguns módulos ainda se erguem verticalmente, outros parecem empilhados, não arbitrariamente, é claro, mas deixando a sensação de que poderiam ser manipulados ludicamente, não fossem tão grandes e pesados. Mas quando tombam sobre a grama dois quadrados, o gesto ganha uma dimensão simbólica, sinalizando que, a partir daí, sua escultura mudaria de rumo. O que de fato ocorre. Uma das novidades é a cor; outra, a presença das diagonais, como iremos ver.


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Vivendo uma época industrial, com seu ateliê instalado na Ciferal, lidando com materiais e técnicas correspondentes, Weissmann acaba por absorver, em seu trabalho, parte desse "conteúdo" industrial. Em suas esculturas de grande porte, públicas, esse substrato industrial é quase um estilo. Seta, escultura de 1979, instalada defronte de uma revendedora da Mercedes-Benz, em Nova Iguaçu, reafirma essa origem, seja pelo vigor e solidez da estrutura, seja pelo emprego ostensivo dos rebites, à maneira de Negret, com o objetivo claro de enfatizar a idéia de montagem industrial, oferecendo ao espectador a visão simultânea do todo e das partes que a compõem. No Cubo, do mesmo ano, implantado à entrada do Edifício Biaggi, na Avenida Paulista, em São Paulo, volta a empregar parafusos.
Em outras obras, realizadas a partir da segunda metade da década de 70, emprega soluções semelhantes a cantoneiras e canaletas, afins das estruturas industriais e urbanas (pontes, plataformas, guindastes, trilhos), mas que ele transforma em "flores de aço", como as que criou, com escalas e complexidades diversas, para o Parque da Catacumba, no Rio de janeiro, em 1979, para o Centro Administrativo do Banco Itaú (1986) e para o Memorial da América Latina (1989), ambas em São Paulo.

Mais, nas colunas neoconcretas, criadas a partir de 1957, faz uso da sucata industrial, mas não como crítica ao desperdício da sociedade de consumo, segundo o esquema acumulativo e crítico da pop-art ou da funk-art, mas como elementos de uma estrutura modular, permanecendo, portanto, no âmbito da arte construtiva. Sua visão era, então, qualitativa: transformar o caos em cosmo. As sobras industriais permitiram a Weissmann criar estruturas gestálticas que "ilustram" seu conceito inicial da escultura como desenho no espaço. Mas esse desenho só se realiza com a participação do espectador, isto é, suas colunas pedem que o espectador circule ao seu redor, pois só assim ele poderá captar todas as suas virtualidades espaciais, todas as suas possibilidades visuais - óticas e cinéticas.

A série de múltiplos que realizou na década de 80, por sua vez, se inserem coerentemente na evolução de sua obra construtiva, cuja lógica indicava uma aproximação à indústria, através da serialização. Porém, os múltiplos de Weissmann têm um mérito maior que a pretendida democratização da arte: eles provam, de modo cabal, que tamanho não é documento, isto é, a monumentalidade é algo implícito à obra. Como demonstrou Bachelard em sua Poética do espaço, miniaturas podem ser enormes quando vistas de seu interior e sua leitura exige tempo e paciência. O pequeno não é necessariamente intimista, da mesma maneira como o porte de uma obra ou sua localização no espaço urbano não a tornam menos subjetiva. Trabalhando nos extremos do grande e do pequeno, da rua e da casa, Weissmann é sempre o mesmo artista. Seus múltiplos não visam socializar a posse da obra, enquanto objeto de consumo, mas o acesso a noções como equilíbrio, beleza, pureza formal, ludicidade. Da mesma maneira, ao transformar chapas de aço em "flores tropicais", ele atua na contramão da funcionalidade e do pragmatismo da sociedade industrial.


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O vazio e a sombra (virtualidades contrapostas: o não-ser e o duplo), a repetição (estrutura modular), a permutação, o corte, a dobra e a torção estão entre os elementos que compõem a poética weissmanniana. De todos esses elementos, o mais fundamental parece ser a torção, que está presente ao longo de quase toda a sua criação, apesar de nem sempre percebida. Mais que o corte, mais que a dobra, ela é a essência de sua operação visual. Antes da torção vem o corte. Este nem sempre separa - apenas fende. É sempre um ato radical, mas ainda não basta, ou melhor, não se basta. Precisa da torção que provoca o deslocamento e cria a terceira dimensão. A dobra apenas estanca a violência do corte. A torção também não encerra o processo iniciado com o corte e que prossegue na dobra, mas as tensões são mais fortes e persistentes.

Weissmann não torce volumes, planos contínuos, massas. Não torce nem retorce torsos humanos, expressionisticamente. Nem colunas, barrocamente. Nem volumes, borrominicamente. Torce vazios, por absurda que possa parecer essa afirmação. Torce o que ainda não existe, virtualidades, atuando nos interstícios dos planos, no espaço.
É certo que a torre apresentada na Bienal de São Paulo, em 1967, cria visualmente torções que fazem lembrar a coluna torsa do baldaquino de Roma. Um pouco desse efeito ótico (barroco = optical-art) ainda persiste na segunda coluna neoconcreta, de 1980, que é algo brancusiana. Torcedelas é o que faz: o suficiente para provocar o deslocamento da forma, mudar de rumo, desviar, criar uma desarticulação momentânea da estrutura cúbica, gerando surpresas, criar um momento de tensão. Algumas torções nem chegam a completar a primeira volta sobre si mesmas, nunca chegam ao extremo da espiral. Sugerem, insinuam, criam latências. E muitas vezes, como nas colunas neoconcretas ou em obras como Três pontos, é o espectador que torce o olhar, fazendo rodeio em torno da peça, torcicolando.

A introdução de um novo elemento em seu vocabulário plástico, a fita, que vem depois do cubo, da chapa, da coluna, da torre, da cantoneira e da canaleta, estimula mais ainda o emprego da torção, tencionando o espaço e dinamizando a estrutura. A palavra "fita", empregada por Weissmann, deve ser entendida em seu sentido literal. Trata-se de uma longa e estreita superfície de aço, delgada, como se fossem tiras de papel ou tecido, e que ele faz subir e descer uma, duas, três vezes em suas colunas, ou que dobra, aqui e ali, em distâncias e ângulos irregulares e que serpeiam ou parecem ziguezaguear no chão, como uma serpente.

Na Coluna de duas fitas (1980/1985), a torção está localizada no extremo inferior de uma das fitas/planos, mas o impacto tensionante se estende por toda a estrutura vertical, revigorando o espaço. Essa pequena e quase discreta torção ao pé da coluna não apenas cria um espaço imprevisto, como reforça, no olhar do espectador, o seu caráter ascensional. Um frisson percorre toda a peça, criando uma formidável fonte de energia espacial. Noutras colunas, a torção se dá no centro da peça: o quadrado resultante distribui simetricamente a tensão criada.

A Grande fita vermelha, de 1985, multiplica o número de torções, isto é, de pontos de tensão, marcando o ritmo dinâmico da peça. A escultura rasteja, serpenteia e dança, surpreendendo com suas bruscas mudanças de percurso, pedindo ao espectador que também circule em torno dela, que faça festa. Ou fita. Sabe-se que Calder teve a idéia de seus móbiles vendo os quadros de Mondrian. Na base da obra de ambos está a linha reta (em Calder é o fio de prumo). Calder percebera que a reta não é senão a curva colocada em sua tensão máxima. A Grande fita vermelha faz lembrar uma estrutura sanfonada que pode ser alongada ou reduzida conforme a maior ou menor pressão das mãos. Na sua origem, portanto, é apenas uma reta, que a partir de uma sucessão ritmada de dobras-torções quase se faz curva: Bernini serpenteado na grama. Mais à frente, a torção desarticula o cubo, de um faz dois (cubos virtuais): xifópagos.

Toda torção guarda a memória do corpo: torso, torcicolo, torcer, dobrar-se, vergar-se. As estruturas torsas de Weissmann também. As mãos do artista estão ali, subjacentemente. Vergando, inclinando, encurvando, encaracolando, labirintizando ou desarticulando cubos, formas em u, canaletas, cantoneiras, fitas ou colunas. A escultura que o espectador tem diante de si guarda, íntegro, o ato criador do artista, gênese permanente.


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Muitas vezes, o crítico destaca na obra do artista - e não se pode dizer que o processo é inconsciente - as suas próprias qualidades ou idiossincrasias, aquilo que ele pensa ou deseja ver/ser. Vale dizer, o crítico também projeta seus desejos na obra e na carreira do artista. Síndrome de Pigmalião.

Ao tentar decifrar o mistério da obra, decodificá-la, o crítico acaba por des-velar aquilo que foi
velado pelo artista. Mas à medida que agrega valores, torna a velar a obra, que em cada leitura se faz outra. A história de uma obra é, assim, um jogo infindável de veladuras e des-veladuras, de revelações parciais. Voyeur amoroso, tem os olhos pregados na obra, quer avançar mais, ver de perto, descobrir o que se esconde. Entretanto, precisa manter um certo distanciamento, que é dimensionado pela própria história da arte, pois ele deve perceber, na aventura de cada artista, aquilo que o vincula à arte de seu tempo. Deve saber avançar e retroceder, apoiar o artista e, ao mesmo tempo, manter a distância que seleciona, hierarquiza e dá sentido de permanência à obra. Viver profundamente a experiência de cada trabalho e acrescentar-lhe sua própria experiência, de tal maneira que, passado o tempo, a obra guarde a intuição criadora do artista e a percepção aguda do crítico.

O essencial, porém, é perceber que, na verdade, é sempre a obra, ela mesma, que indica ao crítico a forma de sua abordagem. Essa é uma das muitas lições que aprendi no convívio de mais de 30 anos com a criação maior de Weissmann.
Num depoimento dado a Ferreira Gullar, em 1959, Weissmann afirmou: "Em minha escultura não há sensualidade, minha escultura não explode." De fato, sua escultura foi assim, ascética e austera, durante pelo menos duas décadas. Até que um dia decidiu introduzir a cor, argumentando que ela quebrava o silêncio da pureza geométrica, unificando os planos e os elementos entre si, tornando-a cantante e mais comunicativa. Creio que a primeira escultura colorida de Weissmann foi Arapuca, de 1966, exposta na Bienal de São Paulo do ano seguinte. À época não dei muita atenção ao fato. O que me impressionara foram as dimensões da peça (cinco metros de altura) e o emprego de módulos de madeira pintada, permitindo uma grande liberdade de estrutura.

Quando a cor já se instalara irreversivelmente na obra de Weissmann, afirmei, com certa arrogância, que o problema da escultura não estava na cor, mas no espaço, acrescentando que a cor em nada contribuíra para enriquecer o espaço em sua obra. Mas já então me perguntava (perguntava aos meus leitores) se não estava exigindo do artista um tipo de fidelidade que, na verdade, era minha, e não dele. Ou por outra, eu não estaria agindo preconceituosamente ao dizer que a cor é problema de pintura, tentando, assim, impedi-lo de fazer o que considerava melhor e mais adequado à escultura?
Não posso negar, entretanto, que naqueles momentos sentia, como às vezes ainda hoje sinto, a nostalgia da severidade de suas superfícies nuas, ferruginosas, da austeridade do preto, do ascetismo monástico de suas colunas, daquela espécie de calvinismo artístico, que eliminava parte do prazer visual em nome de uma essencialidade metafísica. Nessas recaídas nostálgicas imaginava-me vendo o artista quieto no seu canto, ruminando pensamentos, obras, como que assustado ou envergonhado com tanta agitação imprevista trazida pela cor, protegendo-se dos espaços mais silenciosos de antigas colunas.

Mas a cor veio e provou que na escultura ela tem uma capacidade de irradiação muito maior do que na pintura. É que na rua, na sociedade de consumo em que vivemos, em meio ao bombardeio visual dos meios de comunicação massiva, a escultura, para sobreviver, precisa da cor, quer o confronto. Dou a mão à palmatória: é impossível não se deixar envolver por essa alegria nova que a cor trouxe à escultura de Weissmann. Nem de se apaixonar. À introdução da cor correspondeu maior liberdade de estrutura, com o aparecimento de uma espacialidade generosa e aberta. Desde então nada mais deseja aquietar-se em sua escultura, o artista deixou de reprimir ou inibir o movimento. Forma e cor se abraçam. A forma canta, a cor baila e, juntas, fazem a festa do olhar.


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As esculturas de Weissmann já integram a paisagem de várias capitais brasileiras e, por sua beleza altiva e vigorosa, vão se transformando em marcos da cidadania, em signos urbanos. Elas podem ser vistas em Belo Horizonte (Coluna linear, dos anos 70, medindo 15 metros, instalada na Minas Diesel, e o monumento-marco da comunidade judaica na capital mineira), Brasília, São Paulo e no Rio de janeiro.

Provavelmente poucos cariocas devem conhecer o nome do autor ou jamais se preocuparam em identificá-lo, mas, com toda certeza, devem guardar na memória, bem nítidas, algumas das esculturas de Weissmann implantadas em diversos pontos da cidade. Uma delas está bem à vista, defronte do prédio da IBM, em Botafogo: são duas formas em u, interligadas por uma torção, mas sem romper a continuidade da fita. Outra encima uma pequena colina, no Parque da Catacumba, junto à Lagoa Rodrigo de Freitas, pintada de vermelho e sempre ameaçada de desaparecer em meio ao verde das árvores. Uma das "cantoneiras" premiadas no Panorama de Arte Atual Brasileira, em 1975, encontra-se no jardim fronteiriço de um edifício residencial da Avenida Vieira Souto. Bem perto dali, na mesma avenida, funcionando como uma espécie de logotipo tridimensional da Casa de Cultura Laura Alvim, há um outro belo exemplo da criação escultórica de Weissmann, tendo o quadrado e a torção como "temas".

No campus da Universidade Cândido Mendes, na Praça XV, centro do Rio de janeiro, Weissmann implantou duas esculturas, belas e fortes. Estão datadas de 1984. Uma delas, em aço pintado de vermelho, com seis metros de altura, é constituída de duas formas em u, contrapostas, simbolizando, segundo o artista, a integração dos corpos discente e docente. A segunda, em preto fosco, retoma um projeto neoconcreto de 1957 - uma chapa da qual se arrancou um círculo, o qual, após ser deslocado, sofre um corte que abre no negro com que foi pintada uma nesga de luz. Tem quatro metros de altura. A que se situa na praça interna é alegre e diurna, solar. A outra, austera, noturna, fechada sobre si mesma, encontra-se num pequeno jardim quase junto à rua. A primeira pede que a habitemos alegremente. A segunda quer ser contemplada em silêncio, com vagar. Foram denominadas pelo artista de Encontro e Terra. Eu as chamo de esculturas do sol e da lua. Elas correspondem a dois momentos da criação weissmanniana e pedem diferentes leituras.

Em São Paulo, suas peças estão localizadas nos jardins de escultura da Fundação Armando Álvares Penteado, na Praça da Sé (Diálogo), na praça cívica do Memorial da América Latina (Grande flor tropical: quase um ser vivo, prestes a caminhar) e no Centro Administrativo do Banco Itaú. Aqui são duas peças: uma delas é quase uma flor aquática: suas formas viris se des-mancham, projetadas no espelho d'água. A outra, medindo 15 metros, é como indica seu título, um Portal, no qual se destaca, em primeiro plano, uma grande lâmina de concreto pintado de amarelo, tendo como contraponto uma lâmina menor, deitada, azul, e uma coluna de aço corten. Todos esses elementos, e mais uma espécie de trilho horizontal, localizado no ponto mais alto da peça, estão solidamente integrados, proporcionando uma rica espacialidade no jogo de verticais e horizontais.

Num dos seus textos utópicos dos anos 60, Mário Pedrosa fala de uma "revolução da sensibilidade", que seria a grande revolução, a mais profunda e permanente. Mas alertava: "não serão os políticos, mesmo os atualmente mais radicais, nem os burocratas do Estado que irão realizá-la". Se essa revolução se realizar, será comandada por artistas do porte de Weissmann. Com suas esculturas urbanas, ele não está educando o olhar do público apenas no âmbito do universo artístico. Eu o vejo reeducando o olhar do público em relação a todo meio formal da cidade. Ver e compreender uma escultura de Weissmann significa ver e compreender a beleza de outras estruturas existentes na cidade, aquelas naturais, de que a paisagem do Rio é tão farta, como aquelas que estão sendo construídas pela indústria e pela tecnologia. E principalmente significa compreender aquelas estruturas, aparentemente informes e imprecisas, mas que são permanentes e absolutamente necessárias à vida social e aos indivíduos: democracia, liberdade e beleza.

©Frederico Morais
Revista Piracema, Nº 2, ano 2, 1994.
 

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