Frederico Morais
Escultura de Weissmann, gritos e silêncios

Suas esculturas já integram a paisagem da cidade e, por sua beleza altiva e pura, vão se constituindo em marcos do urbanismo da cidade. Poucos, certamente, devem conhecer o nome de seu autor, ou jamais se preocuparam em identificá-lo, mas, com igual certeza, devem guardar, na memória bem nítidas algumas de suas esculturas— marcos. Uma delas está bem à vista, em frente ao prédio da IBM, na Urca, outra encima uma pequena colina no Parque da Catacumba, na Lagoa, outra, ainda, no jardim fronteiriço de um edifício na Vieira Souto. Uma de suas esculturas, composta por dois quadrados que se interpenetram, como fios de luz, esteve durante um mês, na Praça Nossa Senhora da Paz, em mostra promovida pelo GLOBO. Mais recentemente, duas entre as maiores que já fez para locais públicos foram situadas no campus da Universidade Cândido Mendes, na Praça XV, no centro da Cidade, sendo que uma é composta de duas formas em U contrapostas que se equilibram precariamente. Pintada de vermelho, suas formas se projetam para o alto, ao mesmo tempo que permite que se caminhe dentro dela — escultura habitável. A outra é uma chapa da qual se arrancou um círculo que se desloca, criando um vazio expressivo, círculo que por sua vez sofre um corte, abrindo no negro com que foi pintada uma nesga de luz. Pesam, respectivamente, 11 e sete toneladas. Uma é alegre, diurna, participante; a outra austera, noturna, reflexiva. Uma pede que a habitemos, outra quer ser contemplada em silêncio. Chamei-as, por isso mesmo, de esculturas do sol e da lua.

O autor de todas essas esculturas é Franz Weissmann, que completou, ano passado, 70 anos, dos quais 40 dedicados à arte. Depois de um rápido início figurativo e uma experiência como professor na Escola Guignard, em Belo Horizonte, integrou o Grupo Frente, no Rio. Em 1951 criou a primeira escultura rigorosamente concreta do País, e que pode ser vista em mostra no Centro Empresarial Rio. A partir de 1956 integrou a dissidência carioca do movimento concreto, ou seja, o neoconcretismo. Artista geométrico, empregando materiais industrializados — aço, alumínio, ferro — inclusive, durante algum tempo, a sucata industrial, Weissmann sempre desejou para suas esculturas o espaço urbano, e que elas fossem habitáveis, abrigos poéticos. E pouco a pouco, vai conseguindo seu intento, povoando o Rio com peças cada vez maiores, e, desde algum tempo, coloridas. Com suas formas puras e com o seu rigor extremamente simples vai educando o olhar do carioca, enriquecendo seu repertório visual com belas e limpas estruturas.

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Artista construtivo, Weissmann buscou no quadrado o arquétipo da beleza pura, considerando o ângulo reto uma espécie de bússola. Neoconcreto, parte do plano para alcançar a terceira dimensão. O neoconcretismo buscava a origem do ato criador, o desabrochar da forma, a gênese. Corte, dobra, pequena torção ou deslocamento, é com este vocabulário que se armava a frase neoconcreta, cujo sentido está na valorização do vazio — que é silêncio. Silêncio que às vezes grita, vazio que se faz pleno: o dentro é fora, o avesso se mostra e, como a sombra, faz parte do significado da obra.

Nas colunas, outra via expressiva escolhida por Weissmann, os princípios são os mesmos: pequena torção e o que era apenas chapa, superfície neutra, transforma-se em espaço tridimensional, nele emergindo gretas, frestas e nesgas por onde passam mistérios e indagações. Mas apesar dessas pequenas janelas, guardam sua intimidade e seu recato, são quase austeras e, como Weissmann, têm um ar monacal, revelam alguma ansiedade metafísica.

Bem diferentes são as esculturas que Weissmann denomina fitas. Ele assim as chama, porque sua estrutura é muito simples. É como se a chapa de aço fosse uma tira ou fita de papel, que ele vai dobrando, aqui e ali, em distâncias e ângulos irregulares. A fita sobe e desce, inclina-se para um lado ou outro, conforme a dobradura. A linha reta inclina-se, sugerindo instabilidade, cessa a ditadura do ângulo reto, o quadrado/cubo deixou de ser o objetivo final do artista, a beleza suprema. A escultura se faz rastejante, serpenteia e dança, surpreendendo com bruscas mudanças de rumo, pedindo ao espectador que circule em torno dela, ou por dentro, que faça festa. Weissmann que sempre foi um tipo depressivo e insatisfeito, agora, aos 76 anos, parece contagiado por uma alegria nova, construindo peças vibrantes, de uma especialidade generosa e aberta. Nada mais está quieto ou parado, Weissmann deixou de reprimir ou inibir o movimento, forma e cor parecem, finalmente, se entender. A forma canta, a cor dança. Às vezes, sou nostálgico de seu classicismo anterior, severo, denso, dogmático ou de suas superfícies nuas, ferruginosas, mas é impossível não se deixar envolver por essa alegria nova na criação atual de Weissmann. Nem de se apaixonar. De qualquer maneira, as colunas guardam um pouco desse passado e, no seu silêncio quase religioso, fazem um bom contraponto com a vida que grita lá fora, como uma serpente vermelha.

Artista de uma sociedade industrial, Franz Weissmann manteve, durante 30 anos, seu ateliê no interior de uma fábrica de carrocerias para ônibus, e nele construiu todas as peças menores. As maiores são feitas, atualmente, numa indústria em Contagem, Minas Gerais. Mas mantém ainda seu ateliê em Ramos, ao lado da indústria de carrocerias. Fui visitá-lo outro dia e senti um enorme impacto. Trata-se, na verdade, de uma verdadeira usina de criação, ou ainda, do mais extraordinário arquivo de formas deste país, referência ou matriz para quase tudo o que se fez, e ainda se faz, em décadas de esculturas no Brasil. Em artigo de capa para o próximo número da Revista "Módulo", defendo a necessidade de se expor este ateliê-usina de criação, tal como ele é ou se encontra, num dos nossos museus. E que se cuide de preservá-lo para servir aos jovens artistas e estudantes de arte deste país como laboratório permanente de criação escultórica, o material nele existente documentado, fotografado, analisado e, em seguida, posto à disposição da comunidade artística e do público. Fica a sugestão.
 

©Frederico Morais - Rio de Janeiro - O Globo, 26 / 06 / 1985