FRANZ WEISSMANN
Entrevista realizada na residência de Franz Weissmann, em 13 de abril de 1996, por Paulo Sergio Duarte, Paulo Venâncio Filho e Vanda Klabin
Gávea: Para começar eu queria perguntar
uma coisa muito genérica, mas acho que tem uma pertinência: num
país, numa cultura que preza tanto o improviso, a desorganização, o
inacabado, o provisório, por que essa persistência de uma arte
construtiva que quer organizar, que quer ser racional, que quer ser
contra o provisório?
FW: Exatamente. Me parece que para se opor a essa
desorganização, a essa confusão toda, o artista está instintivamente
idealizando uma condição mais organizada e mais limpa e então
trabalha, talvez inconscientemente, nesse sentido de reorganizar as
coisas no curso do mundo, eu suponho...
Gávea: A experiência da arte seria um modo exemplar também de
organizar...
FW: O campo político e social também, o econômico; pôr o
mundo em ordem.
Gávea: Como é que você inicia uma escultura?
FW: Eu começo com pequenos trabalhos manuais com papel, com
chapa fina, para visualizar aquilo que a gente está imaginando,
porque o desenho não satisfaz nesse lado. A idéia da forma ela vai
se precisando através de um desenho ou através de alguns elementos,
da dobradura de papel... fazendo pequenininho, depois vai
aumentando... Vai aumentando até achar... que a gente nunca chega a
um ponto final. A gente vai caminhando, caminhando...
Gávea: Você é o único escultor brasileiro de grandes
dimensões, me parece. Quando você começou a ser escultor, você já
pensava que a escultura era uma coisa em grande dimensão e que a
escultura moderna, concreta, tinha que estar num espaço público?
FW: Sempre defendi que a arte deve ser posta para o povo
participar. É a melhor maneira de você educar o povo. É através da
arte. A escultura deve ser posta nas praças, na rua. Aí o povo
passa; passa um dia, passa outro dia. No primeiro, acha que aquilo é
uma porcaria, mas depois vai aprendendo, vai assimilando. Tenho uma
experiência muito interessante com uma escultura na Vieira Souto (1)
Eles agora tiraram. O vendedor de pipocas disse: "É, no início não
gostei, mas agora já estou gostando!". Essa é uma maneira de educar
o povo, de assimilar o que é obra de arte. Acho muito importante por
escultura na rua, nas praças.
Gávea: Você vê suas peças imediatamente em grandes dimensões?
FW: Eu sempre imaginei elas já em dimensões maiores.
Gávea: Como é que você decidiu introduzir a cor na sua
escultura?
FW: Eu tive necessidade de colorir os meus trabalhos, talvez,
porque no fundo eu queria ser pintor, mas o destino me levou para
outro caminho. Depende do tipo de escultura: a minha aceita
perfeitamente a integração de cor. É uma unidade formal e jogo então
com planos que atuam. Numa escultura ao ar livre, jogo muito com a
incidência de luz, de sombra e de valor. Então, ela muda. Dependendo
do lado, muda de cor, de aspecto. Acho que não é uma simples
aplicação de tintas. Procuro integrar a cor dentro do espírito da
própria escultura. Há esculturas que suportam cor e outras que não
suportam cor, porque o próprio material já tem a sua. No fundo, tudo
é cor, o material tem cor. Tudo é cor! Depende de um interpretação.
Gávea: A cor foi introduzida nos anos 70, no seu trabalho
Cada uma de suas esculturas, até então, tinham uma única cor. Há
três, quatro anos atrás, você fez uma experiência, pela primeira
vez, com esculturas que não são monocromáticas. Esses trabalhos
foram chamados de uma homenagem a Mondrian.
FW: Foi Maria Eugênia (Maria Eugênia Franco, crítica de arte,
esposa de Franz Weissmann) que as chamou de mondrianescas.
Gávea: Como você vê, hoje, essa experiência?
FW: Essa foi uma experiência dentro do conceito construtivo.
Construí uma escultura - chamada escultura linear -, então eu senti
que tinha muito espaço vazio, espaço perdido. Percebi a necessidade
de preencher esses espaços para fazer o jogo, ocupar o espaço vazio
e então surgiu também uma questão assim: "Isto só não resolve. Então
eu tenho que jogar com cor. Vou jogar com cores". Nasceu daí essa
necessidade de colorir que não era a minha idéia inicial. Eu nunca
pensei no Mondrian. Tive necessidade de encher o espaço de cor,
então surgiu... Não fui eu, foram os outros que chamaram de
homenagem a Mondrian porque eles acharam que tinha uma certa
afinidade com as pinturas do Mondrian. Esse nome não nasceu de mim
porque não era a minha intenção. Eu tenho no galpão estruturas
lineares, vocês podem ver, sem preenchimento de espaços. Então eu...
Gávea: É sobre o mesmo assunto que eu queria perguntar o
seguinte: eu acho que essas cores não são bem Mondrian. Para mim são
Van Gogh porque me parece que são umas cores que têm um fundo de
expressividade. Você um construtivo tão sereno já fez umas
esculturas amassadas tempos atrás. Então sua cor tem alguma coisa de
expressivo. Nesse sentido que é uma cor mais Van Gogh que uma cor
Mondrian. Você concorda?
FW: Não. Não sei. Porque eu costumo usar cores primárias,
agora se entra o espírito do Van Gogh não sei, porque o Van Gogh foi
o meu primeiro iniciador. Quando eu descobri a pintura de Van Gogh
fiquei assim num estado de febre. Disse: "Que maravilha! Que pintura
fantástica!" e, não sei, sabe? Conscientemente eu não estava
pensando nisso não..
Gávea: Mas eu acho que a pergunta anterior toca num sentido.
Já repeti muito isso: os impressionistas pintavam o espaço vazio
existente entre o olho do objeto, ou seja, o objeto da pintura do
impressionista era o vazio e não a coisa mesma, ou seja, ele pinta o
que está entre o objeto e o olho dele e esse vazio é o objeto da
pintura do impressionista. O Van Gogh quer anular essa distância
entre objeto e a coisa mesma e a cor passa a ter uma plenitude como
se a retina tocasse a própria cor. Toca o céu, toca o mar, toca o
verde, toca o trigo, encosta no trigo. Então a pergunta anterior
procede, porque a cor na sua escultura tem essa vocação a existir
como cor em si. Você já disse uma vez que é como se a escultura
fosse de cor, não que ela fosse pintada.
FW: Exatamente. Eu procuro essa integração da cor na própria
escultura. Suponhamos, essa coluna (mostra uma das suas esculturas
na sala), eu a vejo preta, compreende? (Mostra outra escultura) Não
é uma escultura pintada de vermelho. É uma escultura vermelha.
Aquela coluna também... eu a vejo vermelha, essa aqui já vejo dessa
cor, amarelo-limão. Nessa ali, não vejo outra cor além da que está
aqui no espírito dessa escultura, porque se vê que o amarelo se
expande, é uma cor alegre, comunicativa e o vermelho é uma cor mais
concentrada, mais agressiva. O vermelho agride e o preto... acho o
preto uma cor muito presente. Tem muita presença, mas é uma cor mais
tranqüila. O vermelho grita. O amarelo para mim canta. É uma cor que
canta e há uma unificação desse plano de jogo que acho importante
nesse caso. Eu faço também esculturas sem pintura nenhuma, da cor de
ferrugem, que acho muito bonito. A cor do aço acho muito bonita. Mas
isso são conceitos...
Gávea: Quando você faz essas esculturas em grandes dimensões
em espaços públicos, como se dá a questão de estar no espaço urbano,
de estar dentro da cidade? Qual a relação que se impõe? O espaço, a
escultura, a cor como...
FW: Tudo é importante. Você vê, por exemplo, a escultura do
Memorial (2), exige cor e presença. Ela cria um
ambiente... Se essa escultura fosse na cor de ferrugem do aço, me
parece que não ia funcionar. Tinha que preencher esse espaço. Ela
funciona em relação à arquitetura... A do Banco Itaú,(3)
por exemplo, eu jogo com cor de ferrugem, mas ela se casa
perfeitamente com essa parede de concreto armado. Se casa muito bem
e aqui tem uma bandeira azul. É uma pista por onde entram os carros,
porque é uma escultura portal. O Setúbal me pediu para estudar
exatamente uma escultura portal. Ele queria uma escultura monumental
nesse edifício novo que construíram para concentrar toda a direção
do Itaú...
Gávea: Quando você vai colocar uma peça num determinado
lugar, numa praça, existe também o projeto do arquiteto, você sente
que a cor é uma...
FW: Eu estudo o ambiente. Então digo para o arquiteto:
"Espera aí. Você quer uma escultura, então eu quero estudar o lugar
onde ela vai ser colocada para estar de acordo, para ela se integrar
no ambiente onde ela vai ser colocada, senão não funciona". O
problema de cor também entra nesse caso. A dimensão, tudo isso. Eu
estudo muito as dimensões porque senão não funciona. Você vê, por
exemplo, no Memorial, o Niemeyer me chamou: "Ah eu quero uma
escultura sua." Eu perguntei: "Mas Niemeyer, para onde é? Para o
interior ou exterior?" "É para o lado externo". Então ele me mostrou
a maquete e eu disse: "Então eu quero ir a São Paulo para ver o
ambiente onde ela vai ser colocada". Vi aquela área árida, ele não
plantou grama, não plantou nada porque disse que sendo uma área
pública o pessoal ia estragar tudo. Eu fui aumentando, aumentando...
E ele: "Ah mas está muito grande". Respondi: "Eu estou estudando em
relação à sua arquitetura". Ela podia ser um pouco maior, mas aí foi
um problema de material que eu não consegui. Ela está bem lá. Podia
ser um pouco maior mas aí é o problema de limite de aço.
Gávea: E o Calder e a cor do Calder. Você teve alguma
inspiração? São experiências diferentes mas...
FW: Para mim é importantíssimo. Ele está no outro caminho,
mas para mim é um dos grandes escultores. Ele é um grande escultor
moderno público, do espaço público.
Gávea: É verdade que o Fontana foi muito importante para
você?
FW: Fontana foi importante para mim e uma descoberta, porque
o Fontana conseguiu romper a bidimensionalidade da pintura. Ele
furou o plano para criar uma bidimensionalidade. Para mim foi muito
importante.
Gávea: Essa é uma experiência parecida àquela sua de buscar o
vazio , o vazado. Fontana abriu o espaço?
FW: É possível. Inconsciente. Conscientemente não, mas é
possível que haja uma influência do Fontana nessa atitude de furar a
parede para ver o outro lado.
Gávea: Sua escultura é muito de acabar com o que tem
dentro... Porque o que tem dentro a gente imagina que é o
desconhecido, que é o misterioso. Você quer ir lá e abrir tudo.
FW: Descobrir o mistério.
Gávea: Que outros artistas além do Fontana foram importantes
para a sua formação? Brancusi...
FW: O Pevsner foi muito importante, ...construtivista. O
Brancusi, claro. O Brancusi é o máximo, mas a gente sempre nasce de
alguém. A gente nasce de alguém, de uma mãe, de um pai. Fica mamando
no seio da mãe e depois larga a mãe para encontrar o seu caminho.
Hoje nesse labirinto de experiências, desde o início de século, tudo
é possível, do impossível... Agora com a nova tendência da
informática... a doença do computador, a escultura virtual é a que
aparece numa tela, não é?
Gávea: Nós vamos ver um Weissmann virtual?
FW: Eu vou mostrar um virtual para você ver que entra na
virtualidade (...) É mais ou menos a idéia da desmaterialização da
escultura. Eu desmaterializo a escultura, então ela não tem mais a
matéria física praticamente. Eu mais ou menos tento esse rumo. O que
eu chamo de cubo virtual.
Gávea: Uma sugestão do espaço...
FW: É. Que tem que completar.
Gávea: Mas isso não remete já a certas coisas do seu começo,
quando você retira uma esfera ...
FW: Eu trabalhei muito em fio de aço e fui simplificando e
simplificando... "lh! Mas ta ficando é bom! Não tem mais nada!" Foi
assim, numa espécie de um estado de angústia; fui fazendo, fui
simplificando e então ficou num fio só.
Gávea: Isso foi nos anos 50 ainda, não é?
FW: É.
Gávea: Aquilo me lembra, também é outro caminho, mas...
alguma coisa do Giacometti.
FW: Exatamente. Eu tive uma certa influência. Comecei a fazer
também esculturas em fio, em barro, gesso, bronze. Isso deve ter
sido para mim uma certa influência do Giacometti. Gosto muito do
trabalho dele. Porque a coisa fica uma escultura virtual, porque ela
não existe mais.
Gávea: Eu gostaria de perguntar também, Franz, se você sente
alguma afinidade com a escultura mínimal, com esse problema da
serialidade e das formas simplificadas...
FW: Minha escultura é também uma escultura essencialmente
mínima. Eu chamo de escultura essencial. Uso os elementos
essencialmente. Eu tiro todo o supérfluo fora e procuro sempre o
mínimo possível.
Gávea: Você gosta de alguns desses artistas americanos, o
Tony Smith, por exemplo?
FW: Gosto muito, gosto muito.
Gávea: E as placas amarrotadas e amassadas, que você fez na
Espanha? Esses trabalhos trazem uma questão da luz dentro deles, não
é? O Mário Pedrosa, em um artigo em 65 que fala de uma claridade
virginal, translúcida. Gostaria que você falasse um pouco sobre
eles.
FW: Eu senti uma certa ansiedade de romper com tudo, com toda
a parte construtiva e organizada. Comecei a amassar o mundo, não é?
Eu queria simplesmente algo amarrotado e jogava então com planos,
com luz. Mas foi assim uma espécie de uma febre que passou ... Tem
uma coisa que o João Cabral escreveu sobre a minha exposição dos
amassados em Madrid. Vocês já leram? É muito bonito.
Gávea: Você falou de uma série de filiações expressionistas.
Da importância de Van Gogh, depois você falou do Giacometti... E
essa adesão à forma geométrica? Porque é muito rigorosa essa visão
na sua obra, salvo o intervalo - que a gente não pode chamar de
interregno - dos amassados em Barcelona, nos anos 60, que é um
período muito curto, você trabalha com uma geometria muito rigorosa,
essas formas puras estão impregnadas em toda a sua obra. Esse
diálogo, essa expressividade em forma geométrica, como é que você vê
isso? Porque é uma coisa complicada.
FW: É bastante complicado. Não é fácil definir. É sempre uma
expressão da personalidade e talvez uma expressão, vamos dizer,
controlada. Calculada, controlada.
Gávea: A geometria para você é como uma disciplina.
FW: Uma disciplina. Toda arte no fundo é construtiva. O
pintor constrói. Ele destrói mas ao mesmo tempo constrói. Eu acho
que toda arte é construtiva porque ele cria. O artista que é o
inventor e o criador, então ele constrói no sentido mais genérico.
Gávea: Você ficou quanto tempo na Escola de Belas Artes?
FW: Três anos, mas fui reprovado em todas as matérias!
Gávea: Sua primeira viagem de volta à Europa foi quando?
FW: Em 1959. Porque o meu sonho era conhecer o
Extremo-Oriente - A Índia, o Japão e toda aquela área. Eu sempre fui
um grande leitor da literatura asiática, principalmente da índia e
da China. Então eu queria conhecer o país de corpo e alma. Eu também
queria conhecer o Japão, porque o japonês de lá não é o japonês
daqui! (Um país supercivilizado. Puxa! Uma ordem, uma limpeza! Nunca
vi...). Depois de um ano na Europa peguei um navio japonês e fui
direto para o Japão. Depois do Japão fui para a índia, viajei toda a
índia e toda essa parte - o Camboja, a Tailândia... viajei tudo
aquilo sozinho.
Gávea: Você primeiro, depois o Amilcar, foram alunos do
Guignard, não é?
FW: Não. Não. Eu fui colega do Guignard. Fui professor...
porque o Guignard me pediu para participar da Escola como professor.
Fui professor de gravura (NR2) e o Amilcar era
aluno. Ele começou com Guignard na pintura, depois ficou
insatisfeito com o trabalho, então foi para o meu rumo, para tentar
escultura. Ele começou comigo. Ele é um pouco mais moço que eu. Ele
deve estar com setenta e poucos. Eu estou com oitenta e poucos.
Gávea: O Guignard era uma pessoa de diálogo, de conversa
sobre escultura?
FW: Sobre escultura não. Ele participou das minhas aulas,
assistiu às minhas aulas. Eu introduzi inclusive o chamado modelo
vivo que era inédito. Ele participava das minhas aulas. Tenho
fotografias com ele lá na minha aula. Agora, ele era pintor...
Gávea: Você queria ser pintor, não é?
FW: Eu queria ser pintor.
Gávea: E essa passagem para a escultura. Primeiro você fez
esculturas figurativas em terracota, não é?
FW: É. Só figurativo mas... tinha que ser modelado em barro.
Saí. Eu acho que fui para Belo Horizonte para me livrar desse ranço.
Foi lá em Belo Horizonte que então participei da escola do Guignard
na parte de escultura.
Gávea: Os trabalhos que você produziu nessa época da escola
do Guignard eram já em alumínio e ferro?
FW: Eu já comecei em ferro. Comecei já em vergalhões de
ferro, chapas de ferro... Saindo aos poucos do figurativo. Até as
minhas pinturas começaram a ser geometrizadas. Então já não era mais
figura. Já tinha um conceito geométrico. Aí comecei a furar o cubo,
quer dizer, senti a necessidade de furar o cubo.
Gávea: Você mandou para a Bienal em 1959 e o trabalho foi
recusado. É verdade, Weissmann? Por falta de acabamento, por falta
das soldas?
FW: Aí já tive essa necessidade de vazar o cubo. Mas então eu
vazei o cubo. Foi rejeitado porque, segundo o comissário espanhol -
tinha um comissário espanhol lá - achou que estava mal feito. Eu
disse para ele: "Mas aquela foi feita em Belo Horizonte, não foi
feita na Suíça, nos Estados Unidos, na Alemanha...
Gávea: Era de latão, não é?
FW: De latão polido. Com um metro de lado. E não aceitaram.
Fiquei doente. Eu vivia na maior miséria do mundo... porque a solda,
quando se solda a chapa ela trabalha, então havia pequenas
ondulações, muito mais como estava polido, com aquele efeito
então... Acabou na sucata!
Gávea: Nessa época você já tinha conhecimento do Max Bill?
FW: Naquele tempo eu não sabia quem era o Max Bill. Não
conhecia... Como nasceu o cubo vazado? Talvez por uma necessidade
mesmo de romper com tudo. Aquela loucura. Então eu queria inventar a
figura geométrica mais simples. Achei que a figura geométrica mais
simples era o cubo. Foi depois que vi as obras do Max Bill.
Gávea: No neoconcretismo a Lígia Clark e o Hélio Oiticica se
dirigiram, num determinado momento para uma arte de participação do
público, de sensorialização e você e o Amilcar ficaram num caminho
que a gente poderia chamar mais de tradicional entre aspas, quer
dizer, vocês não foram para esse tipo de experiência. Você pode
explicar isso de alguma maneira?
FW: O Oiticica procurava mais com esse tipo de comunicação. A
Lígia Clark também. Para mim a Lígia Clark foi muito importante. Uma
artista muito avançada no tempo. Aquelas coisas que ela fez de
borracha.
Gávea: As obras moles, não é?
FW: Obras moles. Aí já entra a participação. Você pede para a
pessoa mexer porque senão... "Não, não mexe. Não põe a mão!", diz:
"Mexe!". Sempre defendi a participação direta do homem. Eu já
naquele tempo fazia estruturas de módulos soltos. Na exposição que
fiz em 70 e poucos, em Antuérpia, meus trabalhos tinham elementos
soltos. Em Veneza também levei muitos elementos soltos, mas ninguém
aceitou.
Gávea: Aquelas esculturas de Antuérpia e de Veneza tem alguma
coisa desse espírito porque parece que convidam o indivíduo a
atravessar, a entrar dentro da escultura, porque elas são...
FW: Para entrar, para atravessar... porque disseram que a
minha escultura era transitável, mas não habitável porque chovia
dentro. Porque é importante a pessoa entrar na escultura para ver de
dentro para fora. Não só ver de fora para dentro. De dentro para
fora!
Gávea: Você acha que hoje já existe uma arte que usa o
computador como forma de expressão? O que eu conheço é muito
pré-Cezaniano. Qualquer Cézanne é superior à maioria das artes
feitas em computador que eu conheço.
FW: Porque está no início. Está muito no início ainda, mas
vai se desenvolver. Eu acredito porque você vê, tudo que começa
assim... A primeira televisão era uma coisa... hoje tem essa
maravilha. Vai melhorando. Vai mudar o conceito. Vai mudar.
Gávea: Como você se sente nesse final de século de
transformações muito grandes; Internet, essas coisas todas isso te
estimula você acha que dá ainda para fazer arte? Ou você acha que
não tem mais nada a ver com isso que está acontecendo?
FW: Não! Quê isso! A arte existe desde que o homem nasceu
nesse mundo e ela continuará existindo de uma forma ou de outra. Vai
mudar, talvez. O conceito de arte vai mudar.
Notas
(1)
Escultura em frente a Casa de Cultura Laura Alvim, RJ. (NR1)
(2)
Escultura do Memorial da América Latina, no bairro da Barra Funda,
cidade de São Paulo.
(3)
Escultura-pórtico na entrada principal do edifício-sede da empresa
holding do grupo ltaú, Praça do metrô Conceição/Jabaquara, cidade de
São Paulo.
GÁVEA - Revista de História da Arte e Arquitetura - Rio de Janeiro, Vol. 14, nº 14,Setembro de 1996.
NOTAS DE REVISÃO:
(NR1) Weissmann se referia, na verdade, a uma escultura em cantoneiras que havia sido instalada frente a um condomínio na Av Vieira Souto e que foi posteriormente retirada e não a escultura que até hoje se encontra frente à Casa de Cultura Laura Alvim.
(NR2) Weissmann era professor de escultura e não de gravura.